Vítimas de Mariana repudiam proposta da Vale, Samarco e BHP de parcelar reparação em 20 anos
As empresas responsáveis pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), estão propondo um parcelamento em 20 anos dos valores referentes ao acordo de reparação às vítimas da tragédia-crime ocorrida em 2015. A ideia defendida pela Vale, Samarco e BHP, gera insatisfação de entes federais como União, Ministério Público, Defensoria Pública, de ministérios públicos e defensorias públicas de MG e ES, do governo do Espírito Santo – e até do de Minas Gerais. Esse último, ferrenho defensor e incentivador da mineração predatória e desenfreada, na figura do governador Romeu Zema (NOVO).
De acordo com a coluna de Fábio Zanini na Folha de SP desta quinta-feira [12], sob reserva, representantes desses poderes ressaltaram que pela proposta, a última parcela seria paga 30 anos após o desastre que gerou o pagamento das indenizações.
“É uma vergonha, é achar que os atingidos são bobos. E quem aceitar um prazo desse, é porque não tem responsabilidade com os atingidos – muito menos com a reparação – e muito menos em punir crimes ambientais, socioambientais dessa envergadura, que vai permitir, se assim for, ficar impune, vai permitir que novos crimes ambientais se repitam”, disse Joceli Andrioli, membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens [MAB] ao HP.
“Esses 20 anos não têm nada a ver. É uma garantia de segurança jurídica para as empresas e uma insegurança jurídica para os atingidos e para o Brasil porque, ninguém garante que daqui a 20 anos essas empresas estarão com tanto lucro como elas têm tido no último período”, continuou.
Para Joceli, “é um absurdo já terem se passado nove anos, acumularam [Vale, Samarco e PHB] muitos bilhões e já poderia ter sido feita a reparação integral”, questiona. “Agora vêm com essa piada de pagamento em 20 anos através de um acordo em que os atingidos não participam”, critica o atingido.
LUCROS RECORDES
Enquanto coteja a insidiosa ideia, a Vale aufere lucros estratosféricos. Um balanço da companhia divulgado no final de julho deste ano registra um lucro líquido de R$ 14,59 bilhões [US$ 2,76 bilhões] no segundo trimestre de 2024. O desempenho foi 210% maior que o do mesmo período de 2023, quando tinha lucrado R$ 4,57 bilhões.
Já na comparação com o primeiro trimestre deste ano, o lucro do segundo cresceu 65%, atingindo uma receita líquida de R$ 51,7 bilhões [US$ 9,9 bilhões] no período, alta de 3% na comparação com o segundo trimestre de 2023 e de 17% na comparação com o primeiro deste ano.
O desempenho, segundo a Vale, é reflexo do aumento de 7% nas vendas de minério de ferro na comparação com 2023, com uma adição de 5,4 Mt [milhões de toneladas métricas]. Ante o 1º trimestre deste ano, a alta foi de 25%, puxada por uma produção recorde para um 2º trimestre desde 2018, bem como pelas vendas de estoques.
Indiferente à dor e à longa espera das pessoas que há anos aguardam uma solução para mitigar os efeitos do desastre, o CEO da companhia comemora os louros. “Nosso forte desempenho operacional continua trimestre após trimestre. Em soluções de minério de ferro, alcançamos uma produção recorde para um 2º trimestre desde 2018, impulsionada principalmente pelo desempenho consistente do [complexo minerário] S11D”, afirma Eduardo Bartolomeo.
Na quinta-feira [5], atingidos da Bacia do Rio Doce e Litoral Capixaba entregaram uma pauta de reivindicações ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região [TRF-6], onde estão em curso as negociações. O documento expressa as demandas dos moradores das regiões atingidas pelo desastre. A data coincide com a mobilização realizada em todo o Brasil pelo Dia da Amazônia.
GANÂNCIA DAS MINERADORAS
Durante a entrega do texto, o representante do MAB relembrou que os rompimentos de Mariana e Brumadinho não foram causados por mudanças climáticas, como defendem as empresas, mas pela ganância por lucro, que destruiu o Rio Doce e o Rio Paraopeba.
O representante do MAB reforçou o pedido pela quebra do sigilo do acordo de repactuação e a inclusão imediata da população atingida nas negociações. “Na visão do MAB, é um absurdo ter um acordo em que os atingidos não participam [das negociações] sendo que elas são a prioridade no processo de reparação”.
Ele argumenta que o acordo, tal como está sendo encaminhado, viola leis que garantem essa participação. Segundo o atingido, a reparação proposta de R$ 100 bilhões é insuficiente: estudos feitos por Assessorias Técnicas Independentes – e apresentados em documento – já quantificaram que os danos ultrapassam R$ 700 bilhões, enfatiza. “O valor apresentado no processo de negociação é um absurdo. Tá muito longe de conseguir alcançar a reparação integral e garantir a justiça no caso ocorrido lá em Mariana”, avalia o atingido.
“São 21 territórios na Bacia do Rio Doce e Litoral Capixaba e trouxemos representações desses locais para trazer as reivindicações que iremos apresentar, são sete pontos que consideramos fundamentais para serem incluídos nesse acordo”, justifica, em texto publicado na página do MAB.
O documento entregue pelos atingidos destaca uma série de exigências como, por exemplo, o direito à participação e decisão das pessoas atingidas, conforme previsto na Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB) e na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB). As demandas incluem a criação de um comitê local para dar continuidade às negociações e a instituição de uma Câmara de Repactuação, que teria representantes das comunidades atingidas.
Os atingidos também exigem transparência nas negociações, com a divulgação completa das propostas de reparação e acesso a todos os trâmites envolvidos no processo. Defendem também celeridade na justiça criminal sobre o caso. Além disso, o Movimento ainda solicita que o direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado, seja respeitado. Em especial, para os Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Passados quase dez anos da tragédia que matou 19 pessoas e causou irrecuperáveis danos ambientais na Bacia do Rio Doce, entre Minas Gerais e o Espírito Santo, até o momento ainda não foi construído um acordo em definitivo. Pelo que foi pactuando até agora, o poder público assumirá a maior parte das obrigações relacionadas à reparação.
Porém, com o prazo alongado do parcelamento, corre-se o risco de não haver recursos necessários para cumprir o acertado em tempo razoável, principalmente por causa do impacto da tragédia para a população e para o meio ambiente dos estados atingidos.
“Até o momento, nenhum acordo definitivo foi alcançado. A companhia espera chegar a um acordo final no processo de mediação em outubro de 2024, o qual será devidamente divulgado ao mercado”, disse a mineradora à Folha. Já a Samarco afirma estar empenhada na “reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão”. Acrescentou que “confia que as partes chegarão a um consenso, em breve dando caráter conclusivo” à questão. A PHB diz que, juntamente com a Vale e a Samarco, segue em conversação com autoridades “em busca de um acordo definitivo que garanta uma reparação justa e integral aos atingidos e ao meio ambiente.”
No último dia 5, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva [PT], afirmou em entrevista a uma emissora de rádio do Triângulo Mineiro, que finalmente será assinado em outubro um novo acordo de reparação. Ele criticou a o imbróglio da Vale para resolver o impasse. “É uma coisa que se arrasta há dez anos, vários compromissos, várias tentativas de fazer acordo, várias decisões judiciais, e a Vale não cumpre. Agora vai ter que cumprir”, sustentou.
“A Vale está mudando a direção, eu espero que a nova direção da Vale seja mais cuidadosa, pense mais no desenvolvimento da Vale, porque a atual direção só quer saber de vender ativos, não quer saber de fazer novas pesquisas, de ter novos minera de vender ativos, não quer saber de fazer novas pesquisas, de ter novos minerais”, criticou Lula.
Segundo o presidente, “até o começo de outubro, a gente vai ter o acordo da Vale para resolver o problema de Mariana” e que nós queremos utilizar o recurso para recuperar o que foi estragado, para cuidar do povo”.