Coluna Geremias Pignaton: Café Requentado

Coluna Geremias Pignaton: Café Requentado

Participei muito ativamente da eleição de 1982. Fui candidato a vereador de Ibiraçu pelo PMDB, eleito com 340 votos. Na época, contava com apenas 21 anos de idade, tendo assumido o cargo em 31 de janeiro de 1983 com 22 anos completos. Eu era um jovem adulto, estudante, quase ainda uma criança.

Essa icônica eleição foi a última com Ibiraçu e João Neiva formando um único município. Nela, Jauber Pignaton foi eleito prefeito e Gerson Camata, governador do Espírito Santo. A ditadura militar estava nos anos finais, tentando fazer um retorno gradual à democracia. Foi o primeiro pleito para governadores estaduais depois do golpe de 1964.

Na nossa campanha, era comum sairmos em grupo de candidatos a vereador juntamente com o candidato a prefeito, visitando moradores, de casa em casa, pelos bairros das duas cidades, pelos povoados e pelas roças.

Sempre nos ofereciam café, muitas vezes requentado. Num final de tarde, aquele coado pela manhã, que já estava pra lá de velho, com o gosto azedo horrível. Éramos, por educação, obrigados a aceitar. Ninguém ousava rejeitar, sob pena de desagradar o anfitrião e perder completamente a possibilidade de voto. Normalmente eram servidos em copos ou canecas totalmente cheios.

Eu tinha um artifício para me livrar desse incômodo. Já há alguns anos introduzido no consumo de álcool, pedia para trocar o café por uma pinga. Na maioria das vezes, o dono da casa gostava muito da minha proposta e a visita eleitoral virava uma pequena farra, com cachaça, algum tira-gosto de queijo, linguiça, carne e farinha.

Numa dessas ocasiões, lá para as bandas de Alto Bérgamo, numa casinha humilde de madeira, quase um barraco, no final da tarde, não havia pinga e foi o jeito encarar o copázio de café requentado. A dona insistiu em encher até a boca. Estava um verdadeiro purgante, principalmente depois que havíamos tomado mais de uma dezena. Todos reunidos na saleta da casa, que mal nos comportava. Fui escapando de fininho, fingindo que bebericava, aproximei-me de uma janela, de costas para o terreiro lá fora, certifiquei-me de que ninguém me observava, disfarcei bem o movimento, e lancei o conteúdo quente do copo pela janela.

Um grito de criança invadiu a sala. Passava um menino no quintal e o café quente lhe atingiu as costas nuas. Chamou a atenção de todos. Maior saia justa. Dei a esfarrapada desculpa de que caiu o café, um acidente. Certamente a cara rubra reforçou minha evidente mancada. A situação foi tão vexaminosa que apressamos a saída .

O caminho de volta até aos carros era um pouco longo e tínhamos que atravessar uma pequena ponte estreita. Jauber, que ia na frente, parou no meio da pinguela, virou-se e nos disse: perdemos todos os votos dessa casa!