Juiz 'suspende' sistema de indenização do Caso Mariana, exclui Comissões de Atingidos e destitui perícia americana
Com as negociações pela repactuação de Mariana entrando em fase final, o juiz Vinicius Cobucci, novo responsável pelo Caso Samarco na Justiça Federal, publicou decisão que promete abalar o mundo jurídico envolvido no bilionário processo de indenização aos atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana.
Cobucci retirou o viés judicial do sistema Novel, responsável pela gestão das indenizações aos atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, e determinou que o mecanismo pare de registrar novos pedidos e continue a operar somente com os processos já em andamento. Nessa mesma decisão, feita na tarde desta sexta-feira (28), Cobucci tirou a competência processual das Comissões de Atingidos e eliminou a consultoria americana Kearney do rol de peritos judiciais do caso.
Estabelecido pela Justiça federal em 2020, o sistema Novel foi o mecanismo colocado para que a Fundação Renova, criada para fazer a assistência dos atingidos pela barragem, fizesse uma gestão compartilhada com o juiz federal sobre as famílias e pessoas que vinham sendo indenizadas.
Ao contrário dos dois juízes anteriores do caso, Vinicius Cobucci pontua que o Novel tem apresentado falhas e atrapalhado o andamento do processo. "O Novel apresenta uma série de outros inconvenientes, como a criação de uma ampla base de dados pessoais sensíveis sem qualquer supervisão específica, o que é bastante preocupante. Não se sabe como e quem teve acesso a essa base de dados, inclusive os mecanismos utilizados para a sua formatação. A sua manutenção, no presente momento, gera mais inconvenientes do que resultados práticos positivos. No entanto, como se trata de método extrajudicial alternativo de solução de conflitos, na ausência de um título executivo coletivo válido, e a fim de se tutelar a boa-fé dos atingidos, deve ser assegurado o seu acesso pelo tempo necessário ao processamento de novos requerimentos, caso o atingido entenda que a via é adequada à tutela de seus interesses", mostra trecho da decisão, que deu 60 dias de prazo para a nova adequação.
Ainda segundo o juiz Cobucci, as Comissões de Atingidos, formadas por representantes locais das regiões atingidas para representarem os anseios das comunidades dentro do processo, não atendem aos requisitos legais para atuarem como parte jurídica.
"Em síntese: apesar da pretensa fundamentação de sua legitimidade nos termos de ajustamento de conduta, as Comissões de Atingidos que apresentaram pedidos ao juízo para instauração do sistema indenizatório simplificado em suas localidades não correspondem às comissões idealizadas pelo TAC-GOV. Ainda que houvesse equivalência, sua capacidade processual e legitimidade extraordinária jamais poderia ter sido reconhecida, pois são entes despersonalizados e não possuem legitimidade extraordinária no âmbito do processo civil coletivo. A legitimidade extraordinária decorre de lei federal em sentido estrito e não de acordo homologado em juízo. Por se tratar de matéria de ordem pública, o vício implica nulidade absoluta, o qual pode ser reconhecido de ofício", mostra outro trecho da decisão.
À coluna, interlocutores que acompanham o processo acreditam que a nova decisão será alvo de recursos judiciais, uma vez que muda regras que, com os juízes anteriores, já vinham estabelecidas. O juiz Vinicius Cobucci pontua, no próprio despacho, que a decisão "talvez não seja bem recebida pelos advogados".
"Reconheço que a decisão talvez não seja bem recebida pelos advogados, mas é preciso se reconhecer o esgotamento do sistema e a sua limitação à própria atuação dos advogados no âmbito extrajudicial, visto que o sistema não permite a devida cognição judicial de acordo com o direito processual positivo", diz.
Em outro trecho polêmico da decisão, o juiz Vinicius Cobucci determinou a destituição da consultoria Kearney da função enquanto perita judicial do caso, "pois não exerce de atividade típica de perito. Trata-se de instância recursal administrativa criada por ordem judicial que se assemelha a uma auditoria independente. Por esta razão, revogo todo e qualquer poder dado a Kearney para solicitar documentos e informações em nome do juízo. Ficam preservados os planos de trabalho homologados, fazendo a consultoria jus à remuneração à qual tem direito. Para que seja assegurado o tratamento de forma isonômica, a Kearney continuará a exercer o seu papel de instância recursal no âmbito do Novel, garantindo aos interessados a possibilidade de nova análise pela via extrajudicial".
A barragem de Fundão se rompeu em novembro de 2015, matando 19 pessoas e gerando dano ambiental ainda incalculável. A estrutura era administrada pela mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton.