Coluna Geremias Pignaton: Risi e Bisi
Desde quando comecei a estudar a história de nossa região do município de Ibiraçu, compreendidos Aracruz e João Neiva, sempre me intriguei com o fato de que só famílias italianas do norte da Itália vieram no fenômeno migratório das últimas três décadas do século XIX.
Passei alguns dias pesquisando, talvez semanas e meses, tentando achar algumas famílias do sul da Itália. Cheguei a entrar no município de Colatina, visitando pequenas comunidades rurais e seus cemitérios, procurando nomes que pudessem ser relacionados à parte meridional da Península Itálica. Nunca encontrei sequer uma que fosse exceção.
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Na década de 1980, participando de uma festa na localidade de Rio Otelo, hoje município de João Neiva, conheci um senhor chamado Mário Bisi. Nasceu, naquele momento, uma verdadeira amizade. Ele era um senhor que estava próximo dos 80 anos e eu um jovem vereador de pouco mais de 20 anos. Mesmo com toda essa diferença de idades, nos identificamos fortemente.
Mário me convidou a visitá-lo em sua casa. Aproveitou para reivindicar ao jovem vereador uma estrada de rodagem passando pela sua propriedade em Córrego Belo, um local elevado entre Santo Antônio e Alto Bérgamo, município de Ibiraçu.
Após visitá-lo pela primeira vez e conseguir que a obra da estrada fosse realizada, passei a frequentar a casa da família de Mário, fazendo amizade com todos, especialmente com seu filho Vitório.
Alguns anos depois, Mário faleceu. Eu e Vitório continuamos a amizade. Mesmo depois que me mudei para Brasília, continuei visitando a família Bisi em Córrego Belo. Levei lá algumas vezes minha família, esposa e filhos. Fico muito feliz quando estou conversando com Vitório, que sempre tem uma boa conversa, dom que herdou do velho Mário.
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Ano passado, 2023, fui num domingo a Córrego Belo. Estávamos à mesa conversando, eu, Vitório e Zulmira, irmã dele. Começamos a falar sobre o tio Peppino, um irmão mais velho de Mário. Ele havia sido um homem muito famoso, em toda a região, por sua valentia. Não era o chamado valentão, que mais fala do que age. Ele era realmente muito destemido e, por vezes, violento. Se fosse preciso brigava mesmo, até com tiros e facadas. Tanto que diziam que ele teria cometido alguns homicídios. Era, portanto, muito respeitado e temido.
Quando a conversa ia solta, relatando os feitos do tio Peppino, perguntei como era mesmo o nome dele? Acho que Peppino era apelido, ou não? Vitório disse que se chamava José e que era o primogênito da família. Seu avô veio solteiro da Itália e casou-se com uma italiana no Brasil, Maria Costacurta. Todos os irmãos de seu pai haviam nascido aqui.
Quando ouvi que o nome de Pepino era José, bateu o estalo. A família Bisi seria do sul da Itália. Giuseppe, no norte da Itália, é chamado Beppe, no sul é Peppe. O diminutivo carinhoso é Beppino, no norte, e Peppino, no sul. Lembram daquele cantor Peppino de Capri? Seria como, numa tradução livre, Zézinho de Capri.
Perguntei o nome do avô de Vitório: ouvi Gustavo Pompeo Bisi. Falei na hora: nome do sul da Itália.
Corri para casa ansioso para tentar achar na ferramenta Imigrantes do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. E bateu perfeito com meu pensamento. Gustavo Pompeo Bisi chegou a Vitória em 1895, aos 29 anos, a bordo do navio Rosário, proveniente de Nápoles. É, portanto, um imigrante extemporâneo em nossa região. Estabeleceu-se como comerciante em Alto Bérgamo. Casou-se com Maria Costacurta e teve muitos filhos, dos quais conheci dois: Mário e Tonico.
Uma família do sul da Itália estava no meu círculo de amizade, bem próxima de mim, há muitos anos, e eu nem desconfiava.
Não confundir com uma outra família com nome parecido. Existe em Acioli, agora espalhada por toda a região e estado, uma família Bizzi, originária de Módena, com esta grafia diferente com dois zês, que dá em italiano uma boa diferença de pronúncia, mas que, em português, fica igual, gerando confusão na pronúncia e na escrita.
O nome Bisi, de Nápoles, significa ervilhas. Tem um prato famoso na itália: risi e bisi, risoto com ervilhas.