Cinema de Griô encerra sessões abertas e gratuitas nesta quarta-feira
Quilombolas de todas as idades pertencentes ao Território Quilombola do Sapê do Norte, de Conceição da Barra (ES), têm um compromisso diferente na noite desta quarta-feira (13/12). Famílias, vizinhos e visitantes se reunirão, às 19 horas, no Campo de Futebol do Linharinho, na Comunidade Quilombola do Linharinho, para assistir aos filmes construídos pelas comunidades em parceria com a equipe do Instituto Marlin Azul.
Um caminhão-cinema equipado com uma estrutura com telona de 9x6 metros, projetores, sistema de sonorização e cadeiras para acomodar os espectadores está percorrendo a região para lançar em sessões abertas e gratuitas os três documentários feitos através do entrelaçamento de novas e antigas gerações quilombolas. O circuito foi aberto na segunda-feira (11/12), na Praça da Igreja de São Sebastião, em Itaúnas, e na terça-feira (12/12) desembarcou na Praça da Igreja de Santo Antônio, em Novo Horizonte, na Comunidade Quilombola de Santana.
A mostra é composta pelos filmes “O Vento não tem Morada”, das Comunidades Quilombolas do Córrego do Alexandre (Porto de São Benedito), Porto Grande e Santana; “Abre Caminho”, da Comunidade Quilombola do Angelim II; e “Jangolá”, da Comunidade Quilombola do Linharinho. Os espectadores de cada sessão assistem aos filmes do próprio lugar e das demais comunidades, num movimento de trocas, fortalecimento de vínculo e intercâmbio cultural através do cinema.
As obras são resultado das oficinas audiovisuais do projeto Cinema de Griô criado para incentivar a produção e o registro de histórias pelos próprios moradores, difundir esses filmes em circuitos quilombolas, mostras, festivais, contribuir com a preservação, difusão e intercâmbio de tradições, práticas, relatos e memórias das comunidades. A ação foi contemplada pelo edital (028/2021) – Seleção de Projetos Culturais Setoriais de Audiovisual no Estado do Espírito Santo. A realização é do Instituto Marlin Azul com recursos do Funcultura através da Secretaria da Cultura do Governo do Estado do Espírito Santo.
Cinema de Griô nasce da inspiração de outro projeto do IMA, o Cine Quilombola, realizado em 2021, através da qual cada comunidade construiu seu filme-carta para dialogar com outras comunidades por meio de correspondências audiovisuais. O Cine Quilombola produziu os seguintes documentários: “Do Lado de Cá”, da Comunidade Quilombola de Graúna (Itapemirim); “Vamos em Batalha”, das Comunidades Quilombolas de Cacimbinha e Boa Esperança (Presidente Kennedy); “Era Caminho Deles”, da Comunidade Quilombola de Pedra Branca (Vargem Alta); “Ninguém Canta Igual Eu Canto”, da Comunidade Quilombola de Monte Alegre (Cachoeiro de Itapemirim).
Cartas que viram filmes
As oficinas de criação envolveram participantes de diferentes idades. Em todos os filmes, o principal dispositivo usado para despertar as memórias e tecer de um modo coletivo o roteiro foi o gesto de escrever à mão uma carta para uma pessoa querida presente, distante ou já falecida. Quem não tinha condições de escrever ditava sua mensagem para alguém que escrevia. As cartas despertaram lembranças e sentimentos, trouxeram à tona o que é importante para cada um, o que os une como comunidade, entrelaçando múltiplas visões e ideias, iluminando o caminho para a construção das imagens e sons das obras captados através de câmeras celulares pelos próprios quilombolas e pela equipe do IMA.
As rodas de conversa seguidas de gravações aconteceram este ano nas Comunidades Quilombolas de Porto de São Benedito, Porto Grande e Santana, de 20 a 23 de julho; na Comunidade Quilombola do Angelim II, de 26 a 29 de julho, e na Comunidade Quilombola do Linharinho, de 1º a 04 de agosto. Após a apresentação no circuito, os médias-metragens serão inscritos em mostras e festivais, buscando ampliar os espaços de visibilidade dos conteúdos produzidos pelos quilombolas com a equipe Marlin Azul.
Os documentários
“O Vento não tem Morada” reúne vivências de três grupos: Comunidade Quilombola do Córrego do Alexandre (Porto de São Benedito), Comunidade Quilombola Porto Grande e a Comunidade Quilombola de Santana. As famílias vizinhas e amigas se juntaram, se visitaram para contar e ouvir histórias sobre o jeito de ser e viver do lugar, as alegrias, as dores, as formas de lidar com os sofrimentos, os laços de pertencimento e a passagem das tradições entre avós e netos.
O atravessamento das gerações, o elo de ligação entre os mais velhos e os mais novos e o registro dos traços culturais, como as práticas populares, em especial o Jongo, formam a inspiração para o média-metragem. Patrimônio Imaterial Brasileiro, o jongo é uma dança de roda de origem africana semelhante a um batuque ou samba, acompanhado pelo som de tambores e cantorias, praticado nos quintais, muito comum em regiões rurais, uma forma de louvação aos antepassados.
A força, a luta e a resistência para enfrentar e superar as perdas e para defender o território perpassam o documentário “Abre Caminho” feito com a Comunidade Quilombola do Angelim II. O pequeno povoamento rural é formado por agricultores familiares comprometidos com práticas agroecológicas de cultivo de alimentos para a proteção e preservação das águas e do solo contra a ação da monocultura defendida por grandes empresas na região. A obra também destaca o entrelaçamento de gerações.
“Jangolá” celebra a potência feminina na defesa da terra, das tradições, das crenças e da identidade afrodescendente da Comunidade Quilombola do Linharinho, localizada no caminho para Itaúnas. O lugar guarda o conhecimento, a sabedoria e os rituais de matrizes africanas, sendo, muitas vezes, alvo de perseguições, do preconceito e da intolerância religiosa. O filme percorre os quintais para reverenciar o culto à memória e às raízes ancestrais e revelar o esforço de mulheres na preservação e na transmissão de saberes e fazeres herdados das matriarcas.
O Instituto Marlin Azul
O Instituto Marlin Azul é uma associação sem fins lucrativos criada em 1999 cuja finalidade é promover ações direcionadas à cultura, à arte e à educação, democratizando o acesso à produção e fruição de bens culturais. Em 24 anos de atividade, a instituição vem desenvolvendo diversos projetos sociais, culturais e audiovisuais voltados para diferentes públicos do Espírito Santo e do Brasil. Além do Cinema de Griô e do Cine Quilombola, a instituição desenvolve ações como o Revelando os Brasis, Projeto Animação, Curta Vitória a Minas, Griôs de Goiabeiras, Memória do Barro e o Cine Animazul. Para conhecer os projetos, acesse institutomarlinazul.org.br.