Votação urgente do Marco Temporal mobiliza indígenas: 'prontos para reagir'
Em resposta a uma manobra da bancada ruralista no Congresso Nacional, povos indígenas de todo o Brasil estão mobilizados para alertar a sociedade e os parlamentares contra a aprovação do PL 490/07, que tenta transformar em lei a tese do Marco Temporal, em que somente comunidades indígenas que viviam em seu território tradicional no dia 5 de outubro de 1988 - quando foi promulgada a Constituição Federal - teriam direito à homologação de suas terras.
A previsão é de que na próxima terça-feira (30), a Câmara dos Deputados vote a proposta, conforme foi definido em votação nessa quarta-feira (24), quando a Casa aprovou o regime de urgência do PL, que tramita na forma de substitutivo apresentado pelo deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), por 324 votos a favor e 131 contra.
Na bancada capixaba, votaram contra a urgência apenas os partidos PT e Podemos, com Helder Salomão e Jack Rocha e Gilson Daniel e Dr. Victor, respectivamente. Paulo Foletto (PSB) não participou e os demais votaram a favor: Amaro Neto e Messias Donato (Republicanos); Evair de Melo e Da Vitória (PP); e Gilvan da Federal (PL).
A data da votação foi definida pelos ruralistas em função do calendário do Supremo Tribunal Federal (STF), que prevê retomar o julgamento do Marco Temporário no dia 7 de junho, dentro de um clima político e jurídico favorável à decisão de reconhecer a inconstitucionalidade da tese, considerando que ela ignora todo o processo de violência e expulsão de inúmeros povos indígenas de seus territórios e o movimento de retomada empreendido exatamente a partir da Constituição Federal, que reconheceu seus direitos originários.
"Modificou um pouco o nosso foco de luta, que era o dia 7 de junho, no STF. Agora é o Congresso", declara Paulo Tupinikim, liderança em Caieiras Velha, Aracruz, no norte do Espírito Santo, e coordenador-geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme).
O momento atual, contextualiza Paulo, é semelhante a junho passado, quando foi aventada a possibilidade de retomada do julgamento pelo STF. "Considerando a atual conjuntura dentro do STF, se o Marco Temporal fosse para julgamento ainda este ano, nós teríamos uma chance muito grande de não passar, porque vários ministros são favoráveis à questão indígena e votariam contra", declarou o coordenador da Apoinme, na ocasião.
A mobilização dos próximos dias é nacional, com algumas caravanas se dirigindo para Brasília, diretamente ao Congresso Nacional, e outras organizando ações locais. "Quem conseguir vai pra Brasília, como alguns povos da Amazônia e de São Paulo. O Espírito Santo não vai, vamos fazer atos públicos aqui e conversar com parlamentares federais e estaduais", informa.
Os Tupinikim e Guarani capixabas têm 11 mil hectares de Terras Indígenas sob a mira do PL 490, pois são territórios homologados depois de 1988, após uma luta intensa durante anos por meio de autodemarcação, em que a Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) promoveu forte campanha difamatória contra as comunidades indígenas.
O julgamento no STF se arrasta há anos e se dá no âmbito de uma ação de reintegração de posse movida pelo Governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à terra indígena Ibirama-Laklanõ. Em suas redes sociais, a Apoinme destacou que a tese do Marco Temporal é ainda mais impactante em sua área de abrangência.
"Existe um passivo muito grande de demarcações de terras indígenas. O que agrava essa situação, é o fato desses povos serem historicamente perseguidos e tirados dos seus territórios de maneira forçada, e muitos deles não estavam dentro de seus territórios na data da promulgação da Constituição Federal justamente por essas perseguições, e com essa tese sendo aprovada, muitos povos indígenas perderão o direito de reivindicação de seus territórios tradicionais".
O momento, alerta, é de grande tensão. "Pedimos aos nossos encantados e ancestralidade, força e sabedoria. São 523 anos resistindo para proteger o que é nosso, não e agora que vamos parar. Vamos mobilizar num só pensamento, numa só energia. Essa boiada não irá passar!!! Pelas vidas indígenas e o futuro do planeta precisamos derrubar essa tese", convocou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entidade da qual a Apoinme faz parte.