Entidade pede impedimento do juízo de João Neiva no caso de menina violentada
O juízo da Vara Única de João Neiva, no norte do Estado, deve ser impedido de atuar no caso da menina que foi violentada desde bebê pelo padrasto, com cumplicidade da genitora. O alerta é do Fordan: cultura no enfrentamento às violências, programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a mesma entidade que denunciou as violências sofridas pela menor ao longo de quase dez anos.
A menina foi resgatada pela tia e o advogado da família em uma área de mata próximo ao abrigo de Planície da Serra, tendo sido encontrada muito machucada, suja e sem se alimentar, depois de vários dias vivendo em situação de rua por temer o retorno ao abrigo, onde denunciou sofrer outras violências físicas e psicológicas.
A necessidade de transferência do caso para o juízo da Serra, onde atualmente a menor vive com a tia paterna, foi informada a diversas autoridades nesta quinta-feira (4), por meio de denúncia que relata diversas "violências institucionais" produzidas pelo juízo de Nova Neiva, bem como pela Promotoria de Justiça do Ministério Público Estadual (MPES) no município.
O governador do Estado, Renato Casagrande, e o reitor da Ufes, Eustáquio de Castro, estão entre os chamados a apoiar o pleito em favor da adolescente, além de instâncias de órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário estadual e nacional, e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O documento pede também a imediata "revogação da busca e apreensão emitida pelo juízo de João Neiva", que ordenou o retorno da menor à família da genitora. O objetivo, ressalta a denúncia, é garantir "a guarda da menor com a tia paterna", quem a menina já declarou, diante da Ouvidoria do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) e em outras situações, que é com quem quer morar até seu pai biológico obter sua guarda definitiva e levá-la para Londres, onde vive atualmente.
A atuação do juízo e da Promotoria de João Neiva fere gravemente o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tornado obrigatório há mais de um ano no país, explica a professora e vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carla Appolinário, pesquisadora do Fordan e coordenadora da Clínica Jurídica LGBTQIA+, fruto de uma parceria entre a UFF e a Prefeitura de Niterói, que além dos atendimentos jurídicos especializados à população vulnerável, oferece cursos de formação e capacitação em Direito Antidiscriminatório e outras diversidades.
Em março de 2023, quando a adoção do Protocolo se tornou obrigatória, o CNJ determinou que "as Cortes deverão promover cursos de formação inicial e continuada que incluam, obrigatoriamente, os conteúdos relativos a direitos humanos, gênero, raça e etnia, conforme as diretrizes previstas no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero", conforme noticiou na época o CNJ. "Esse é um tema crucial para as mulheres, e esse é um trabalho primoroso. Vivemos em uma sociedade, infelizmente, impregnada por um machismo estrutural e sistêmico, e precisamos agir contra isso", afirmou a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Rosa Weber.
"Caso a morosidade e a sucessão de omissões persistam por parte dos órgãos e agentes estatais e judiciais que têm o dever de zelar pelo bem-estar dessa criança, evidentemente, haverá agravamento das diversas vulnerabilizações que já acometem a trajetória dessa vítima", alerta Carla Appolinário.
"É urgente que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, por meio de seus órgãos e agentes, passe a observar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, a fim de evitar, mais uma vez, que esse tipo de violência se perpetue no território e se reproduza nos processos judiciais sob a sua tutela, tudo isso sob o manto da 'Justiça", reivindica.