Indígenas de Aracruz se mobilizam contra repactuação do crime da Samarco/Vale-BHP

Indígenas de Aracruz se mobilizam contra repactuação do crime da Samarco/Vale-BHP

Os indígenas Tupinikim e Guarani de Aracruz, no norte do Estado, se mobilizam para responder aos impactos do acordo de repactuação do crime da Samarco/Vale-BHP,

previsto para ser assinado até o final deste mês, sem a participação dos atingidos. As comunidades efetivaram um Conselho Territorial de Caciques, que decidiu realizar uma rodada de reuniões nas aldeias, para atualização sobre o processo, como informou o presidente da Associação Indígena Tupinikim de Caieiras Velha (AITCV), Pastor Joel. “Depois, vamos deliberar sobre o procedimento, e uma das possibilidades é a realização de um manifesto”, ressalta. 

Após quase nove anos do rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, Minas Gerais, o governo federal apresentou em audiência pública na última sexta-feira (18), em Belo Horizonte, os termos gerais do novo acordo de repactuação, decidido pela cúpula, e que continua a gerar inseguranças entre as comunidades afetadas. Um dos pontos críticos são os valores definidos para repactuação incompatíveis com os danos sofridos, agravados pelo longo período de impunidade e repetidas violações.

Segundo a Advocacia Geral da União (AGU), do total de R$ 167 bilhões destinados à reparação, R$ 8 bilhões serão para os indígenas e povos e comunidades tradicionais (PCTs), para recuperação dos modos de vida com projetos de autogestão; e fundo para implantação de políticas públicas e reconhecimento adicional de indígenas e PCTs como atingidos (auxílio financeiro por 72 meses e verbas reparatórias), por meio de um modelo de autogestão supervisionado pela União.

Os dados, apresentados em audiência pública, apontam que os indígenas e povos e comunidades tradicionais teriam acesso a esses recursos após uma consulta prévia e informada sobre o modelo, contudo, as comunidades afetadas não participam das negociações, que correm de forma sigilosa.   

 cacique Vilmar Benedito Oliveira, da aldeia Caieiras Velha, critica a falta de informações às comunidades e denuncia a violação dos tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta dos povos indígenas em questões que afetam seus territórios. 

“Estamos sendo violados, mais uma vez, dentro daquilo que deveria ser uma obrigação do governo. Se as deliberações já estão sendo tomadas e os termos estão sendo assinados sem nossa participação, como pode haver uma consulta real? O cumprimento à Convenção 169 é participação total das comunidades, mas estamos presenciando um processo em que a informação chega ao território depois do acordo firmado”, enfatizou.

Acervo Pessoal

Mudanças estruturais 

A AGU afirma que o novo acordo de repactuação estabelece a extinção da Fundação Renova, do Comitê Interfederativo (CIF) e de todo o atual modelo de governança e participação social vigente no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC-GOV). Com essa mudança, as responsabilidades em andamento serão transferidas para a União e os estados, que deverão executar as ações de reparação e as políticas públicas já apresentadas. Lideranças indígenas questionam os impactos dessa reestruturação na dinâmica de participação das comunidades afetadas, com a extinção de espaços como a Câmara Técnica de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT), estabelecidas desde a assinatura do TAC.

Os indígenas de Aracruz participaram de uma reunião da Câmara Técnica nessa terça-feira (22), para discutir os rumos do processo de reparação dos danos socioeconômicos e ambientais do crime da Samarco/Vale-BHP. Durante a reunião, expressaram suas preocupações em relação ao novo modelo de reparação em fase de finalização e enfatizaram a importância de garantir a participação dos povos atingidos nas decisões da repactuação. 

Apesar das críticas às Câmaras Técnicas pela falta da devida representação das comunidades afetadas, esses mecanismos tinham como função principal promover a articulação entre diferentes grupos afetados e instituições governamentais como o Ministério Público, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e outras entidades federais e estaduais. 

Por meio dessas câmaras, era possível construir notas técnicas e fazer deliberações que integravam as pautas dessas comunidades dentro do Comitê Interfederativo (CIF), responsável por monitorar e fiscalizar as ações de reparação conduzidas pela Fundação Renova. Com a previsão de extinção da Fundação Renova e mecanismos como o CIF e as Câmaras Técnicas e transferência das responsabilidades de reparação para o poder público, as comunidades afetadas se organizam para reivindicar uma participação efetiva nas decisões que impactam suas vidas e temem que seus direitos continuem sendo violados.

O presidente da Associação Indígena Tupinikim de Caieiras Velha (AITCV), Pastor Joel, informa que essa reunião da Câmara Técnica pode ter sido a última. O Ministério Público Federal (MPF) sugeriu a criação de seis novas câmaras regionais para assumir a função do espaço, mas o formato não contempla as representações indígenas.

“Não houve participação das comunidades nas decisões. O que sabemos, até então, é que passaremos a integrar um novo espaço, a Câmara 6, que poderá ser mais um ambiente de embate do que de resolução. Isso porque, de acordo com o que nos foi explicado na reunião da CT-IPCT, teríamos direito a apenas uma vaga por território, porém alguns precisariam de mais do que isso”, explica. 

Riscos e divisões

Nesse contexto de divisão e incertezas, o acordo de reparação prevê a liberação gradual da pesca, atualmente suspensa por decisão judicial, conforme a elaboração de planos de ordenamento da atividade pesqueira. Esses planos deverão ser desenvolvidos em até seis meses para a região do rio em Minas Gerais e em até 24 meses para a área costeira do Espírito Santo.     

No entanto, Pastor Joel destacou os riscos envolvidos na proposta de retomada das atividades, que pode comprometer a segurança alimentar das comunidades indígenas. “Sabemos que a contaminação continua muito alta, e o que está sendo proposto não tem fundamento técnico e não sustenta nossa matriz de impacto,” alertou.

O cacique Vilmar aponta que o Rio Piraquê-Açú, que atravessa as comunidades Tupinikim e Guarani em Aracruz, está com toda a sua extensão contaminada. “Considerando a área de impacto, onde o rejeito da lama chegou, não existe atualmente a possibilidade de uma pesca gradual”, ressalta.  

Apesar da promessa de um auxílio financeiro por até quatro anos estabelecido no novo acordo, as comunidades temem que, ao fim desse período, a contaminação do rio e a recuperação ambiental não sejam adequadamente tratadas, prejudicando ainda mais a saúde e a subsistência das comunidades. 

Para Vilmar, o principal impacto do crime das mineradoras não é apenas a destruição do meio ambiente e os danos socioeconômicos, mas a divisão que a condução da repactuação causou entre as comunidades, em um processo que gerou conflitos internos e prejudicou a luta coletiva por direitos e reparações.

“Nós mudamos, inclusive, a nossa estruturação, nosso formato de política, de organização social. Antes tínhamos as 12 comunidades conversando juntas sobre os temas e hoje temos essa divisão, onde existe uma composição de caciques representada pelo Conselho Territorial e a outra composição representada pela Comissão de Caciques. Então, isso já é um elemento forte que traz um grande desafio, pelo modo que a Fundação Renova conduziu o processo e estabeleceu formatos de aplicação de indenização em que várias pessoas ficaram desassistidas. Toda a tentativa de buscar mitigação dos impactos veio com essa interferência da Fundação Renova, trazendo esse dano para dentro do território”, relata.