Coluna Geremias Pignaton: Jaleu e Marcha Ré

Coluna Geremias Pignaton: Jaleu e Marcha Ré

Toda cidade tem seus personagens folclóricos. Em Ibiraçu, podemos fazer uma lista quilométrica. Não bastam os que nascem e se criam na cidade, ainda temos aqueles que vêm pela BR e, achando quem os ajude, ficam por muito tempo.

Na minha adolescência, lá pelos anos 70, lembro-me de duas figuras que "aportaram" na cidade e ficaram até morrer. Um era velho de barba branca e não tinha um dos pés. Andava com um cambito servindo-lhe de muleta. Era curioso seu movimento, ele enroscava a perna sem pé na vara e fazia um conjunto, vara e perna, andando com uma velocidade espantosa. Morava no porão do salão paroquial, que sempre foi abrigo para moradores de rua e andarilhos da BR. Era verborrágico, quase como a Joana, outra figura folclórica da cidade. Tinha momentos de lucidez e demonstração de inteligência, terminando seus "discursos" sempre com a pergunta: "Já leu?". Daí veio seu apelido, era conhecido por todos com Jaleu. Tem um trecho de suas falações que me recordo até hoje: "vim de São Mateus a Nova Almeida cortando cana e queimando garapa, sou filho da ponte de Piraqueaçu, é um risco pavoroso, já leu?".

Jaleu morreu esmagado por uma carreta na pista na frente da igreja.

Outro que ficou em Ibiraçu até morrer era um imenso homem negro de quase dois metros de altura, forte, todo maltrapilho, quase não falava, só o indispensável. Poucos ouviram sua voz. Quando interpelado por alguém, exibia um sorriso amistoso quase imperceptível. Dormia por todo lado, não morava no porão da canônica. Seu traço mais marcante era o caminhar. Andava a passos largos, lentos, estudados. Parecia escolher os lugares que pisava. Dava uns dez passos para frente, uma paradinha rápida e uns quatro passos para trás. Ganhou logo o apelido de Marcha Ré.

Tem uma passagem do Marchá Ré que é hilária. Nancy ou Alair Segatto - ou os dois, não me lembro bem -, chegou no centro da cidade, num final de tarde, na famosa rural do Seu Joanim Segatto. Parou o veículo na frente do Bar do Grippa, na época era bar do Jairo Sarcinelli, deixou a chave no contato e foi tomar uma. Marcha Ré entrou na rural e, para surpresa de todos, saiu dirigindo. Deu umas voltas na cidade. Passava pela Conde D'Eu, João Alves da Motta Jr., girava na frente do Califórnia e descia a Adelaide Jardim novamente. Deu umas cinco rodadas. O povo foi se aglomerando curioso para assistir ao inusitado passeio de Marcha Ré. Ninguém se atrevia a entrar na frente. Na quinta volta, ele parou o carro no mesmo lugar, saiu tranquilo sem falar com ninguém e tomou seu rumo.

A morte de Marcha Ré foi tragicômica. Ele atravessou a pista da BR, na frente da Igreja. Seus passos adiante terminaram na beira do asfalto. Deu os passos para trás de volta à pista. Um caminhão o atropelou.